sábado, 20 de junho de 2015

MÚSICAS QUE RECOMENDO: Fábio Zanon toca peças de Henry Purcell (1659-1695)


O brasileiro Fábio Zanon (1966-) é um dos maiores nomes do violão mundial. Concertista renomado, trata-se também de um autêntico "intelectual da música", como quem acompanha seu trabalho como professor e pesquisador já pôde perceber.

No vídeo que separei, Zanon participa do programa "Movimento Violão", promovido pelo SESC TV. Particularmente, quero recomendá-lo aos leitores do blogue, desejosos de conhecer um pouco sobre violão erudito (um instrumento que sofre terrivelmente com a sua extrema popularidade, na medida em que a maioria das pessoas só consegue associá-lo à música popular, jamais à música erudita). Meu interesse na apresentação de Zanon dá-se sobremodo por força do repertório escolhido. O violonista executa peças do compositor Henry Purcell (1659-1695), um dos principais expoentes do Barroco inglês.  

Quando estudante de violão, meu interesse no repertório violonístico esteve máxime atrelado às minhas pesquisas musicais nos períodos Renascentista e Barroco, até porque a música antiga sempre foi a minha maior paixão. Por isso eu sempre toquei muitas peças de Henry Purcell - incluindo algumas que são executadas no vídeo.

A propósito, música renascentista e barroca, quanto tocadas ao violão, constituem o meu maior interesse no estudo do instrumento. Então fica a dica aos leitores do blogue!
 

domingo, 14 de junho de 2015

POEMAS QUE LEIO, POETAS QUE ADMIRO: "Jaguadarte", de Lewis Carroll (1832-1898)



 
Lewis Carroll (1832-1898) foi o pseudônimo pelo qual o reverendo britânico Charles Lutwidge Dodgson tornou-se mundialmente famoso, máxime após a publicação de "Alice no País das Maravilhas", livro infantil que, com a passagem dos séculos, tornar-se-ia um dos maiores clássicos da Literatura Inglesa. 
 
Além de grande fabuista "nonsense", Carroll também tinha talento como poeta. É o que prova o poema "Jaguadarte", que eu extraí do livro "Através do Espelho e O Que Alice Encontrou Por Lá", que Carroll escreveu em 1871 como continuação de "Alice no País das Maravilhas". 
 
Na história, Alice, ao encontrar o Homem-Ovo, pede a ajuda dele para fazê-la entender o sentido dos versos de "Jaguadarte". Alice confunde-se com as palavras, que misturam sons e sentidos. Ou seja, a menina Alice quer compreender aqueles signos linguísticos, galvanizados por uma curiosa fusão de significante (elemento material, concreto, perceptível) e significado (elemento imaterial, inteligível, conceitual).     
 
Na tradução primorosa de Augusto de Campos (missão dificílima vertê-lo ao português, como pude notar ao ler o texto original em inglês), o próprio tradutor prefacia o seu trabalho, comentando que "o mínimo que se pode dizer (de Jaguadarte) é que é um dos poemas fundantes da modernidade”. Para compô-lo, Campos anota que Carroll usou “palavras-valise, que empacotam dois ou três vocábulos num só”.
 
Como aprecio a Literatura Inglesa clássica, fica minha homenagem a este grande fabulista chamado Lewis Carroll, um homem que, com sua imaginação prodigiosa, deu origem a um mundo infantil absolutamente encantador.
 
Jabberwocky
 
All mimsy were the borogoves,
 
 
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
 
He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought—
 
And as in uffish thought he stood,
 
One, two! One, two! And through and through
He left it dead, and with its head
 
 
Come to my arms, my beamish boy!
He chortled in his joy.
 
 
 
 
Jaguadarte
Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
 
"Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Fefel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassura!"
 
Ele arrancou sua espada vorpal
e foi atras do inimigo do Homundo.
Na árvore Tamtam ele afinal
Parou, um dia, sonilundo.
 
E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,
Sorrelfiflando atraves da floresta,
E borbulia um riso louco!
 
Um dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para tras, para diante!
Cabeca fere, corta e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.
 
"Pois entao tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"
Ele se ria jubileu.
 
Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
 
- Tradução de “Jabberwocky” de Lewis Carroll por Augusto de Campos
 

 

 

domingo, 7 de junho de 2015

HISTÓRIAS DA MÚSICA: O nascimento da "Sinfonia Eroica": ou Beethoven furioso contra o traidor Napoleão

O compositor alemão Ludwig van Beethoven em 1804.


Em 1803, com apenas 33 anos de idade, o jovem e impetuoso Ludwig van Beethoven começou a escrever a sua “Sinfonia nº 3, em Mi Bemol Maior” (Op. 55). Essa composição assinalava a assunção de uma temática grandiloquente, épica, em sua obra. Ademais, é apontada por muitos musicólogos como o umbral de passagem do Classicismo para o Romantismo na história universal da música.  

Tomado por uma fúria criativa, Beethoven finaliza a escrita da partitura da “Sinfonia nº 3” em 1804. Politizado, decidira alcunhá-la de “Sinfonia Bonaparte”. Seu propósito era homenagear o líder político e militar francês Napoleão Bonaparte (1769-1821), já que o compositor alemão era admirador fidedigno do ideário da Revolução Francesa. Para o jovem Beethoven, Napoleão não apenas erguia a bandeira do pensamento francês revolucionário; ele próprio personificava-a. Assim, no verão de 1804, comunicou ao seu editor a decisão de dedicar a sinfonia ao líder francês, intitulando-a de “Bonaparte”.

O líder político e militar francês Napoleão Bonaparte (1769-1821).
 
Entretanto, naquele mesmo ano, quando seu assistente contou-lhe que Napoleão havia se autoproclamado “Imperador da França”, o jovem Beethoven, que sempre teve um temperamento explosivo, mudou bruscamente de opinião. Sentindo-se traído politicamente, o compositor acusou Napoleão de trair os ideais revolucionários, rendendo-se ao jugo opressor dos tiranos que se consideravam superiores, que não acreditavam, portanto, na igualdade de direitos do homem e do cidadão.        

Furibundo, Beethoven vai até sua mesa de trabalho, convicto em desfazer a homenagem ao traidor. Abre o manuscrito da sinfonia e risca o nome “Bonaparte” da página-título. Mas risca com tanta raiva - com tanta força, com tanta fúria! - que, no lugar da dedicatória, deixa um buraco no papel.

Manuscrito da página-título da "Sinfonia Eroica",
onde se pode notar o buraco deixado no papel pela fúria de Beethoven
diante da "traição" de Napoleão Bonaparte.
 
Tempos depois, já em 1806, quando a página-título foi reescrita e o manuscrito sinfônico finalmente publicado, Beethoven deu novo nome à obra. Com efeito, intitulou-a de Sinfonia eroica, composta per festeggiare il sovvenire d'un grand'uomo. O título era uma alusão clara à decepção política experimentada pelo compositor, que não mais homenageava Napoleão Bonaparte, mas sim se prostrava a celebrar a “memória de um grande homem”. Napoleão ainda estava vivo na França, só não para Beethoven, que o considerava um traidor e antecipara visionariamente a marcha fúnebre do líder francês no segundo movimento da “Sinfonia nº 3” – agora denominada “Sinfonia Eroica”.
 
 

sexta-feira, 5 de junho de 2015

MÚSICA ERUDITA E A ARTE DE FAZER AMIGOS: Robert Schumann Hochschule - Musik für Düsseldorf

 
Esta crônica é dedicada a todos os meus amigos músicos,
especialmente ao violonistas Vinícius Linhares, Cristiano Souza e Hélio Amorim. 


Um belíssimo vídeo produzido pela "Robert Schumann Hochschule" de Düsseldorf sobre os caminhos percorridos pelo jovem estudante de música. Preso nas entranhas do cotidiano fastiento que o circunda, ele não se deixa soçobrar. Ergue-se e caminha entusiasmadamente. Extático, sabe que segue rumo ao encontro redentor com sua arte.
 
Desde muito cedo o jovem músico aprende que, nesse exército artístico chamado "orquestra", sua sobrevivência depende da combinação de pelo menos dois fatores: de um lado, a disciplina espartana imprescindível, idônea a conduzi-lo ao nível técnico reclamado pelos compositores mais exigentes em suas obras; de outro, a coragem de um soldado na frontaria, para não se render à mediocridade generalizada das pessoas vulgares e dedicar-se a uma forma refinadíssima de arte que hoje é vista como algo sem relevância no mundo. Daí vem a busca contínua e ininterrupta do jovem músico pela superação dos seus limites. Daí exsurge a síntese do seu "esforço de guerra" em prol dessa manifestação sublimatória da arte.    

Como propõe a descrição do vídeo no sítio Youtube: "Studieren heißt, sich auf eine Reise begeben! Eine Reise auf der man nicht nur besondere Fähigkeiten erlernt, sondern sich auch menschlich entwickelt und man Freundschaften mit Gleichgesinnten schließt." (Traduzo do alemão: "Estudar [música] é como embarcar numa viagem! Uma viagem na qual não se aprende apenas habilidades especiais, mas que traz também desenvolvimento humano e permite fazer amizade com pessoas que tenham as mesmas afinidades.").
 
Essa é uma descrição perfeita do que eu vivi nos muitos anos em que me dediquei ao estudo da música erudita no conservatório. Para mim, estudar música, mais do que aprender a teoria musical, mais do que aprender a tocar um instrumento, significou ir ao encontro do guia que me ciceroneou até eu descobrir quem sou; o elo com as coisas que amo no mundo. Cinzelando meu talento musical, fiz amigos que me permitiram entender que a verdadeira amizade não reside no grau de parentesco, na ascendência, na linhagem sanguínea, tampouco na proximidade geográfica. A verdadeira amizade só existe na afinidade. E "afim" são as pessoas que funcionam como os instrumentos musicais numa orquestra: quando tocam suas vidas, imediatamente encontram a harmonia nos seus gostos. Eis a arte de fazer amigos! Eis tudo.           
 
Alemanha - terra da Filosofia e da Música. Só quem já esteve lá sabe como é grande a paixão dos germânicos pela música erudita. Um paixão tão intensa que não encontra par em nenhum outro lugar do planeta. E se tu viveste algum dia essa rotina de reunir-se com amigos para ensaiar as partituras, tal qual eu vivi, é impossível não se emocionar com o videoclipe!