sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O "spam" sertanejo universitário


Naquela tarde de 28 de outubro, ao sair do gabinete, vejo meu telefone vibrar sobre a mesa; ouço o barulho de um aviso, que me anuncia alguma novidade. Curioso, tomo em mãos meu telemóvel. Uma mensagem eletrônica de cunho propagandístico me fora enviada pela Livraria Saraiva. No título, leio um apelo: "Rafael, chegaram novidades e acreditamos que estes livros possam ser do seu interesse." Seria apenas mais um reles spam, entre as dezenas que recebo diariamente na minha caixa de mensagens no correio eletrônico, não fosse um pequeno detalhe: o seu conteúdo. Ao abrir o email, deparo-me com a propaganda seguinte: "Rafael, conheça a história brilhante do amado Luan Santana". Adiante, a foto da biografia que Ricardo Marques teve a pachorra de escrever sobre o ídolo do sertanejo universitário.

Acontece que, enquanto descia pelo elevado do prédio, de chofre, vi-me assaltado por uma crise existencial. E refletia ensimesmadamente: "Que será que fiz para que o spam da Livraria Saraiva pudesse supor que eu teria algum interesse na biografia de um cantor tão ruim?"

Insatisfeito, considerei-me injustiçado. Metido em brios, desejei reparar aquela ofensa involuntária, que me ultrajava eletronicamente após um dia cansativo na repartição.

Ponho-me, pois, a telefonar para um amigo. "Ele é cliente da mesma livraria, talvez possa me ajudar", pensei. O número tocava.
 
Uma voz atende do outro lado. Inicio a conversa em tom afobado:

- Tu recebeste algum email de spam da Saraiva?

- Não sei.

- Podes verificar, por favor?

- Por quê?

- Não importa. Apenas me dize se recebeste ou não.

Dali a instantes, veio a resposta redentora do meu brio:

- Sim, recebi.

- E do que se tratava?

- Ah, bobagem! Um anúncio idiota da biografia do Luan Santana. Ignorei. 

- Ok, muito obrigado.

- Mas o que tem isso de importante?

- Nada demais. Até mais.

E desliguei o telefone, não sem antes respirar aliviado. Percebi o que talvez parecesse óbvio desde o princípio ao leitor: o spam não me havia sido enviado por um robô trocista, desejoso de escarnecer o meu gosto musical. Cuidava-se, isto sim, de um plano genérico, que propagandeava o lançamento da biografia dedicada ao cantor, expoente do sertanejo universitário.

Pois bem. Aquele rápido telefonema foi o suficiente para trazer-me de volta à serenidade. Mas, cá com meus botões, ainda me sentia injuriado. Intimamente, queria vingança. Mandei então a mensagem, com a foto da capa do livro e do cantor biografado, para o setor mais ordinário do ambiente virtual: a lixeira eletrônica. Ao fazê-lo, senti que lavava minha alma artística, consciente do êxito do meu gesto vingador.

domingo, 2 de outubro de 2016

DECLARAÇÃO DE VOTO: BEETHOVEN PREFEITO!

Santinho da campanha de Beethoven para prefeito. Uma cortesia do meu Instagram.
Instagram: @rafaeltheodorteodoro

Cansado da mediocridade nas artes, na política e na vida em geral?

Já não aguenta mais ouvir falsas promessas dos candidatos eleição após eleição?

Então, dê uma chance a Beethoven.

Ele foi o filho de uma mãe tuberculosa que morreu cedo.

Ele venceu uma infância cheia de abusos por parte do seu pai alcoólatra - músico frustrado, medíocre e falido - que o espancava com frequência e obrigava-o a acordar de madrugada, desde muito pequeno, para estudar piano por horas e horas a fio.

Ele foi obrigado a abandonar a escola aos 13 anos, para trabalhar em diversos empregos e sustentar a casa, já que seu pai alcoólatra não conseguia mais emprego como músico em nenhum lugar.

Ele amava filosofia e literatura, especialmente a poesia dos grandes poetas alemães.   

Ele se rebelou e desprezou os nobres da corte do tempo.

Ele tinha ataques de fúria, seguidos de momentos de profunda solidão e depressão.

Ele nunca aceitou as convenções na sociedade ou na arte. Deixou sua vasta cabeleira crescer e opôs-se ferozmente a todos os seus professores de música quando estes o censuravam por usar harmonias que, para a teoria musical da época, eram consideradas erradas, inadmissíveis.

Ele rompeu a amizade com Goethe depois do incidente em Teplice, quando o poeta curvou-se docilmente e abriu caminho para os aristocratas que transitavam pela rua, coisa que Beethoven negou-se a fazer por ter repúdio absoluto a toda forma de presunção de superioridade nobiliárquica.

Ele se considerava o “Napoleão da música”, afirmando estar acima de qualquer crítica por escrever para o futuro (a história provou que ele estava certo na sua presunção).  

Ele abandonou sua simpatia de juventude por Napoleão depois que o líder militar francês se autodeclarou “Imperador da França”, tudo por considerar essa atitude napoleônica uma traição aos ideais revolucionários que defendiam a igualdade entre todos os cidadãos.

Ele rasgou a partitura da sua “Sinfonia nº 3”, a “Eroica”, que hoje é considerada a sinfonia mais importante de toda a história cultural da humanidade.

 Ele escreveu cartas de amor para uma mulher, a quem alcunhou de “minha amada imortal”, que até hoje nenhum historiador conseguiu identificar.

Ele soube se reinventar como compositor e maestro quando sua brilhante carreira como pianista-concertista nas cortes europeias foi encerrada precocemente diante da surdez progressiva que o acometeu.  

Ele escreveu boa parte das suas nove sinfonias quando já estava completamente surdo.

Ele escreveu 32 sonatas para piano que mudaram completamente a maneira de tocar e compor no instrumento.

Ele é considerado o “Shakespeare da música”, o “Michelangelo da composição”.

Ele foi o maior pianista não apenas do seu tempo; ele foi o maior pianista de todos os tempos.

Ele foi capaz de, surdo, reger suas sinfonias e arrancar aplausos arrebatados do público.

Ele revolucionou tudo o que fez na vida.

Só ele agora pode salvar a política da nossa cidade da mediocridade, da fealdade e da corrupção.

Vote em quem já provou que é capaz de revolucionar.

       Os outros candidatos até podem ser bons, mas só ele é gênio. Só a arte dele sobreviveu aos séculos. Só ele é verdadeiramente imortal.  

Vote em Ludwig van Beethoven!       

sábado, 1 de outubro de 2016

MÚSICAS QUE RECOMENDO: Vladimir Horowitz toca "Polonesa em Lá bemol maior" (Op. 53), de Frédéric Chopin (1810-1849)

Resultado de imagem para Vladimir Horowitz
 

No dia 01 de outubro de 1903, nascia na cidade de Kiev (Ucrânia) um dos maiores pianistas de todos os tempos e um dos meus artistas favoritos: Vladimir Horowitz.  
Para o leitor do blogue Metamorfose do Mal, cultor da arte erudita como eu, separei este excerto de um dos últimos concertos apresentados pelo mestre, a destacar a execução da "Polonesa em Lá bemol maior" (Op. 53) de Chopin - também conhecida em arte pelo cognome de "Polonesa Heroica". O ano era 1987. O palco: o Große Saal (também conhecido como goldener Saal) da Wiener Musikverein - uma sala de concertos da Áustria, celebérrima em toda a Europa pela perfeição da sua arquitetura sonora.
Reputo interessante este concerto. Ele está a revelar um artista gordo, já vetusto, debilitado pela decrepitude que decorre naturalmente do avanço da idade e das doenças que lhe são correlatas. Na data da realização desse concerto, Horowitz estava a contar 84 anos de vida.    
Apesar da idade avançada, é notável seu esforço ao longo de toda a apresentação em emular uma das características que o celebrizaram com um dos maiores mestres do piano: o domínio impecável, com uma precisão impressionante, da mecânica do instrumento.
Nessa toada, sempre que estou a assistir a esse concerto Horowitz, faço gosto de pensar que ele é uma espécie de ode involuntária ao talento artístico num grau supremo. Para um artista nesse nível de inteligência musical, nem mesmo a velhice - a pior das doenças, como reza o adágio dos antigos romanos - foi capaz de deter a potestade sonora das suas mãos.
Só a morte, que lhe atacaria de modo inexpugnável apenas dois anos depois desse derradeiro concerto na Áustria, deteve Horowitz. Ou nem isso. Ao fim e ao cabo, seu legado artístico é imorredouro. Imortal.