sexta-feira, 31 de outubro de 2014

POEMAS QUE LEIO, POETAS QUE ADMIRO: "Congresso Internacional do Medo", de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


O poeta Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31 de outubro de 1902 na cidade de Itabira, interior de Minas Gerais.

A fim de celebrar o aniversário desse literato genial, escolhi o poema “Congresso Internacional do Medo”. Fi-lo, particularmente, em face do apreço que dedico à 2ª fase do Modernismo brasileiro, a apresentar uma poética de inquietação e questionamento social.

Nesse poema, ressai dos seus onze versos a despreocupação do poeta com as rimas e as sílabas poéticas distintas. Por outro lado, a inquietude do eu lírico, acabrunhado diante do terror inescapável da guerra e das ditaduras, destaca-se naquilo que ele designa como “congresso”, de foro internacional, voltado ao culto de um substantivo abstrato, mas de efeitos bem concretos: o medo.

Congresso Internacional do Medo


Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio, porque este não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.

Depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

POEMAS QUE LEIO, POETAS QUE ADMIRO: "Lady Lazarus", de Sylvia Plath (1932-1963).

Sylvia Plath curte o feriado na praia em 1953.
 
Hoje na seção "Poemas que leio, poetas que admiro" do blogue Metamorfose do Mal, quero destacar o aniversário de nascimento (27 de outubro) da poeta estadunidense Sylvia Plath (1932-1963).

Na Literatura dos Estados Unidos da América, Sylvia Plath é reconhecidamente um dos grandes nomes da poesia modernista. Com a publicação póstuma de "Ariel", em 1965, Plath também foi alçada à condição de ícone feminista. Sua beleza extraordinária, entretanto, escondia uma mulher de sensibilidade extremada e fortes problemas psicológicos, que, com o tempo, só se agravaram, especialmente em face do casamento conturbado que manteve com o poeta britânico Ted Hughes (1930-1998) - que sempre foi um marido infiel.

A poesia de Plath dialoga com episódios de uma vida marcada pelo sucesso intelectual (ela sempre se destacou pela sua inteligência literária, vindo a receber inúmeros prêmios enquanto estudante universitária) contrastante com uma série de experiências traumáticas, qual a morte do pai, a competitividade artística com o marido (Hughes gozava de maior prestígio junto à crítica literária da época) e a sua recusa em aceitar o papel socialmente imposto às mulheres do seu tempo (dona de casa).

Condenada pela sua tendência imanente ao fatalismo trágico, e atormentada pela sua depressão crônica - terrivelmente agravada pela humilhação e dor excruciante que os sucessivos casos de infidelidade do marido lhe causavam -, Plath tentou mais de uma vez o suicídio. Então, numa manhã gelada de 1963, no apartamento em que vivia em Londres, poucos meses após se separar do marido, Plath dirige-se até a cozinha, coloca sua cabeça no interior do forno com o gás ligado, a morrer logo em seguida. A poeta tinha apenas 30 anos de idade quando tirou a própria vida.  

Abaixo, separei o poema "Lady Lazarus" (a versão original, em inglês, bem como a tradução para o português de Marina Della Valle), um dos maios famosos de sua curta obra poética, e que revela em plenitude o imenso talento literário de uma alma feminina atormentada pela ideia da morte e do suicídio.


Lady Lazarus


I have done it again.

One year in every ten

I manage it--


A sort of walking miracle, my skin

Bright as a Nazi lampshade,

My right foot


A paperweight,

My face a featureless, fine

Jew linen.


Peel off the napkin

O my enemy.

Do I terrify?--
 

The nose, the eye pits, the full set of teeth?

The sour breath

Will vanish in a day.


Soon, soon the flesh

The grave cave ate will be

At home on me


And I a smiling woman.

I am only thirty.

And like the cat I have nine times to die.


This is Number Three.

What a trash

To annihilate each decade.
 

What a million filaments.

The peanut-crunching crowd

Shoves in to see


Them unwrap me hand and foot--

The big strip tease.

Gentlemen, ladies


These are my hands

My knees.

I may be skin and bone,


Nevertheless, I am the same, identical woman.

The first time it happened I was ten.

It was an accident.
 

The second time I meant

To last it out and not come back at all.

I rocked shut

 
As a seashell.

They had to call and call

And pick the worms off me like sticky pearls.


Dying

Is an art, like everything else.

I do it exceptionally well.

 
I do it so it feels like hell.

I do it so it feels real.

I guess you could say I’ve a call.


It’s easy enough to do it in a cell.

It’s easy enough to do it and stay put.

It’s the theatrical

 
Comeback in broad day

To the same place, the same face, the same brute

Amused shout:


‘A miracle!'

That knocks me out.

There is a charge


For the eyeing of my scars, there is a charge

For the hearing of my heart--

It really goes.


And there is a charge, a very large charge

For a word or a touch

Or a bit of blood

 
Or a piece of my hair or my clothes.

So, so, Herr Doktor.

So, Herr Enemy.

 
I am your opus,

I am your valuable,

The pure gold baby

 
That melts to a shriek.

I turn and burn.

Do not think I underestimate your great concern.

 
Ash, ash--

You poke and stir.

Flesh, bone, there is nothing there--


A cake of soap,

A wedding ring,

A gold filling.
 

Herr God, Herr Lucifer

Beware

Beware.


Out of the ash

I rise with my red hair

And I eat men like air.


LADY LÁZARO

Eu fiz outra vez.

Um ano em cada dez

Eu dou um jeito –


Como milagre ambulante, minha pele

Brilhante como um abajur nazi,

Meu pé direito


Um peso de papel,

Meu rosto um fino, prosaico

Linho judaico.


Retire o pano

Oh meu inimigo.

Eu aterrorizo? –


As órbitas, o nariz, a dentadura completa?

O hálito azedo

Sumirá em um dia.


Logo, logo a carne

Que a cova comeu vai voltar

Em mim para o lar.


E eu, mulher sorridente.

Tenho só trinta anos.

E como o gato tenho nove mortes.


Esta é Número Três

Que lixo

Para aniquilar a cada década.


Que milhão de filamentos.

A multidão mascando amendoim

Se junta pra assistir


Desembrulham minhas mãos, pés –

O grande strip tease.

Cavalheiros, damas


Eis minhas mãos

Meus joelhos.

Posso ser pele e osso,

 
Ainda assim sou a mesma mulher, idêntica.

Na primeira vez eu tinha dez anos.

Foi um acidente.

 
Na segunda vez eu quis

Acabar com tudo e nunca mais voltar.

Rolei fechada


Como concha do mar.

Tiveram de chamar e chamar.

E tirar os vermes de mim como pérolas pegajosas


Morrer

É uma arte, como tudo mais.

Nisso sou excepcional.


Faço parecer infernal.

Faço parecer real. Eu

Acho que pra mim é natural.


Fazer isso numa cela é muito fácil.

Fazer isso escondida é muito fácil.

É a volta teatral


Já em pleno dia

Ao mesmo posto, mesmo rosto, mesmo grito

Entretido, brutal:


“Um milagre!”

Que me põe a nocaute.

Há um preço


Pra ver minhas cicatrizes, há um preço

Pra ouvir meu coração –

Ele bate mesmo.


E há um preço alto, um alto preço

Por palavra ou apalpada

Ou gota de sangue


Fio de cabelo, trapo de roupa.

Então, então, Herr Doktor.

Então, Herr Inimigo.
 

Sou tua obra,

Sou teu tesouro,

Bebê de puro ouro


Que se derrete num berro.

Reviro em combustão.

Não pense que subestimo sua preocupação.


Cinza, cinza –

Você cutuca e atiça.

Carne, osso, não há nada lá –


Uma aliança,

Barra de sabão,

Ouro de obturação.
 

Herr Deus, Herr Lúcifer

Cuidado

Cuidado.


Das cinzas revivo

Com meus cabelos ruivos

E devoro homens como ar.

(tradução de Marina Della Valle, in: "Plath: quatro "poemas-porrada")