Em 1992, Orenthal James Simpson divorciou-se
de sua esposa, Nicole Brown Simpson. Ela o acusou de violência doméstica. Ele,
sem contestar a acusação, concordou com o fim de um casamento conturbado, passando
a pagar a pensão alimentícia devida aos dois filhos gerados pela união – Sidney
Brooke Simpson e Ryan Simpson.
À época, Orenthal James, mais conhecido como
O. J. Simpson, era uma das figuras mais populares dos Estados Unidos. Ídolo do
futebol americano, ele inscrevera seu nome na história do esporte ao bater
vários recordes na National Foootball
League (NFL). Em 1985, foi um dos
treze jogadores eleitos para o Pro
Football Hall of Fame – o hall da
fama do futebol americano profissional.
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O jovem O. J. Simpson: um dos maiores jogadores da história do futebol americano. |
Aposentado como atleta, passou a trabalhar
como comentarista na TV. Investiu também na carreira de ator. Fez pontas em
seriados e participou de filmes. Seu trabalho mais conhecido no Brasil deu-se
na trilogia de comédia policial “Corra que a Polícia Vem Aí” (The Naked Gun Series), dirigida por
David Zucker e Peter Segal. Nos três filmes estrelados por Leslie Nielsen, O.
J. Simpson atuou no papel do detetive Nordberg.
Mas a carreira cheia de glórias no esporte, e
a aparente ascensão no cinema, não escondiam o comportamento violento do
desportista. Comumente apontado como agressor pelas suas ex-namoradas e ex-esposas, em
1994, viu sua reputação de ídolo do futebol ser totalmente destruída ante uma acusação
de assassinato.
People vs. Simpson: entendendo o caso O. J. Simpson
No dia 12 de junho daquele ano, Nicole
Brown Simpson, ex-mulher do jogador, e Ronald Goldman, um amigo que trabalhava como garçom num restaurante que ela frequentava, foram
encontrados mortos em Los Angeles. Eles haviam sido brutalmente esfaqueados na entrada da casa de Nicole. A polícia então indiciou O. J. Simpson pelo
duplo homicídio.
A partir daí o que se viu foi um tipo de cobertura
que viria a se tornar rotina nas agências de notícias mundiais: a veiculação de
todos os detalhes do caso amplamente na imprensa. As emissoras de TV
estadunidense (ABC, Fox, CBS, NBC, CNN etc.) cobriam cada nova informação sobre
a investigação do assassinato de Nicole Brown e Ronald Goldman. Pouco importava
sua relevância, seu caráter comprovado ou meramente especulativo. No circo interativo
estabelecido em torno do jogador de futebol sentado no banco dos réus, tudo passou
a ser notícia.
Muito dessa azáfama midiática em torno do
processo de O. J. Simpson devia-se à disputa pela audiência. As
emissoras perceberam que a sociedade dos Estados Unidos estava chocada com o
fato de que um ídolo do esporte, admirado nacionalmente, pudesse ter-se
convertido repentinamente num assassino brutal. Contudo, essa ojeriza pela virtual conduta do
atleta só aguçava a curiosidade do público, que assim se entretinha com as
reviravoltas e manchetes do crime. Numa palavra, com a cobertura do processo People of the State of California vs. Orenthal
James Simpson, a audiência estava garantida. Por isso a imprensa
estadunidense apelidou o caso de “Trial Of The Century” (o "Julgamento do Século").
Em 24 de janeiro de 1995, iniciou-se o julgamento
O. J. Simpson. O veredito seria pronunciado em 3 de outubro do mesmo
ano. Seu resultado não poderia ser mais controvertido. Simpson acabou absolvido
da acusação de duplo assassinato pelo júri. Nos Estados Unidos, dada a popularidade
do caso, ainda hoje há quem questione a inocência do ex-jogador. Livros são
lançados, a narrar detalhes reveladores que, supostamente desconsiderados,
teriam influenciado a conclusão equivocada favorável à absolvição. Familiares das vítimas dão
entrevistas, inconformados com a circunstância de que a decisão do júri deixou os assassinatos
de Nicole Brown e Ronald Goldman impunes. Não raro pessoas próximas a O. J. Simpson ganham
voz na mídia; polêmicas, elas afirmam que ele confessou privadamente ser o
assassino.
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Capa das revistas "Newsweek" e "TIME": em 1995 nenhum outro caso recebeu tanta atenção da mídia quanto o julgamento de O. J. Simpson - o "julgamento do século". |
Em 1997, numa reviravolta estranhíssima, posto
que absolvido na esfera criminal, Simpson foi considerado culpado pelas mortes
de Nicole e Ronald em um júri civil (no Brasil, isso não seria possível, haja
vista a comunicabilidade prevalente da instância criminal sobre a cível nos
crimes dolosos contra a vida). Sua pena foi pecuniária: indenizar a família das
vítimas. Cadeia mesmo Simpson só veio a conhecer em 10 de outubro de 2008, mas
por fato diverso. Nesse ano o ex-atleta foi condenado a 33 anos de prisão pelo roubo
a mão armada do hotel-cassino “Palace Station” na cidade de Las Vegas.
Atualmente Simpson cumpre pena no Lovelock
Correctional Center em Lovelock, Estado de Nevada.
As consequências do "Julgamento do Século": O. J. Simpson e o reality show da notícia
Vinte anos se passaram desde o encerramento
do processo People vs. Simpson.
Apesar disso, suas consequências se fazem presentes até hoje no jornalismo. Com
uma audiência impressionante, o duplo homicídio de Nicole Brown e Ronald
Goldman criou aquilo que se convencionou chamar nos Estados Unidos de “O. J. TV”:
dentro de uma sala de tribunal, dezenas de câmeras acompanhavam avidamente cada
detalhe suscitado no embate entre acusação e defesa. As pessoas envolvidas no
julgamento do crime tornaram-se personagens de um grande programa de televisão
involuntário. O juiz Lance Ito e sua polêmica decisão de permitir que o júri
fosse televisionado para todo o País (muitos analistas acusam-no de ter
arruinado o processo); o advogado Robert Kardashian (pai da subcelebridade Kim
Kardashian), que hospedou O. J. em sua casa nos dias seguintes ao fatídico 12
de junho de 1994 e que supostamente teria ajudado o homicida a desfazer-se das
roupas sujas de sangue e da arma do crime; o hóspede da casa de O. J. e
testemunha, Kato Kaelin, com seus cabelos loiros compridos, no melhor estilo “Kurt
Cobain”; além do próprio O. J. Simpson, amado como desportista, repugnado como um
assassino cruel, de face sombria e cenho impassível.
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Juiz Lance Ito, que presidiu o júri do "julgamento do século: criticado por permitir que o julgamento de O. J. Simpson fosse televisionado para todo o País. |
Todas essas personagens só aumentavam a avidez
do público pelo “julgamento do século”. Além do natural interesse em saber quem
seria o responsável pelo duplo assassinato de Nicole e Ronald, havia também a
curiosidade que acomete a todos diante de um ídolo em ruínas. E era exatamente
isso o que a “O. J. TV” oferecia naquele ano de 1995: um gênio do esporte
via-se desmascarado nacionalmente, exposto como um homem frio, violento, do
tipo que tinha por hábito espancar mulheres no ambiente doméstico. Para piorar, o “circo da notícia”
que se formou derredor do caso não hesitou em explorar a “questão racial”
envolvida no caso: O. J. Simpson, o virtual assassino, era negro, ao passo que
as vítimas eram brancas (todas as ex-esposas de O. J. haviam sido brancas). Não foram poucos os que passaram a condenar casamentos
inter-raciais como estopim da crueldade.
Somados todos esses elementos da trama
policial, aliando-os ao glamour do réu famoso, milhões de dólares esbanjados,
sexo (O. J. fazia o gênero do atleta "predador sexual") e violência doméstica, explica-se o porquê de o processo de
O. J. Simpson ter conseguido simultaneamente mobilizar todos os veículos da
notícia (programas de rádio e televisão, capas de revistas, debates em talk shows, etc.) e cativar uma
audiência gigantesca por quase dezesseis meses. Na época não se tinha a
consciência, só adquirida posteriormente, de que, a partir do “julgamento do
século”, a cobertura jornalística entrava numa transformação irreversível: a
dos reality shows, da sofreguidão
pelos detalhes mais sórdidos da vida das celebridades, das notícias relevantes
e irrelevantes que a todo momento prendem a atenção do público consumidor de
informação. Se hoje muitos associam credibilidade de um veículo jornalístico à sua
capacidade de noticiar os fatos 24 horas, tal se deve ao caso de O. J. Simpson.
É evidente que, após a popularização dessa
nova forma de vender e consumir notícias, na qual se destaca a intenção manifesta
de informar pormenores ininterruptamente, a fim de sustentar o interesse da
audiência, a memória do processo People
vs. Simpson já não gera estranhamento. É lógico supor que, em tempos de
velocidade acelerada da notícia com a internet, as redes sociais tenham ocupado
o papel desempenhado anteriormente pela televisão. Por isso crimes recentes
similares, como o assassinato da modelo Reeva Steenkamp pelo seu namorado, o corredor
sul-africano Oscar Pistorius, ou, no Brasil, o assassinato da atriz pornô Eliza
Samudio pelo goleiro Bruno do Flamengo, não causam nem de longe o mesmo impacto
proporcionado pelo fenômeno “O. J. TV”. Atualmente, pode-se dizer que o público dos
noticiários está familiarizado com a cobertura incessante, com a exploração
detalhada da vida das personagens, com a perquirição pormenorizada do passado
dos acusados. Mas se hoje essa tendência se estabeleceu em nível mundial, é forçoso
reconhecer que tudo começou naquele dia 12 de junho de 1994, quando Nicole
Brown Simpson e Ronald Goldman foram brutalmente esfaqueados em Los Angeles,
dando início assim ao “julgamento do século”.
E, afinal, O. J. Simpson cometeu os
assassinatos? Hoje, vinte anos após o crime, continuamos sem saber.
Provavelmente nunca saberemos com certeza.
Muito boa matéria! Que história sinistra desse rapaz... Fiz um link para sua postagem em http://colecaodelps.blogspot.com.br/2015/07/capricorn-one-trilha-sonora.html
ResponderExcluirObrigado, Alexandre. Fico feliz em saber que tu apreciaste o meu ensaio sobre o "julgamento do século" de O. J. Simpson. Sê sempre bem-vindo ao blogue. E agradeço a divulgação do meu trabalho no teu blogue.
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