sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Kéfera e a era do besteirol na internet


Ao sair do trabalho, caminho pela rua, nas mãos o telemóvel. Olho para a tela: um perfil de notícias que sigo no Twitter anuncia, sabe-se lá por que razão, que Kéfera atingiu 9 milhões de seguidores no sítio Youtube.

Impressionado com a marca, vi-me assaltado pela curiosidade em conhecer o trabalho da "youtuber". Ao fazê-lo, notei que alguns dos vídeos mais assistidos do canal "5inco Minutos" são os seguintes:

1) PEIDAR NO PRIMEIRO ENCONTRO?;

2) MEU C* ME DECEPCIONA;

3) CRATERAS NA BUNDA;

4) PUTA MERDA, TÔ ATRASADA!;

5) EU SOU MESMO PIRIGUETE;

6) O DIA QUE SENTI MUITO MEDO;

7) MEU MICROONDAS EM CHAMAS;

8) O QUE AS MULHERES PENSAM ENQUANTO SE MAQUIAM.

Entre todos, segundo apurei em pesquisa breve, o campeão de audiência no seu canal, com impressionantes 8 milhões e meio de visualizações, é o vídeo:

9) COM QUANTOS HOMENS JÁ TRANSEI.

Quase todos os vídeos são adeptos do humor apelativo. A "youtuber" está a "fazer rir" com referências explícitas a sexo, órgãos genitais, fluidos corporais, excrescências, odores desagradáveis e escatologias duma maneira geral. Kéfera fala palavrão como vírgula (às vezes, numa mesma oração, ela consegue colocar mais palavrões e gírias que ideias conexas) e insiste na frase de efeito "Chupa", à qual se segue a provocação insultuosa.

Pois bem. O que dizer desse conteúdo, senão que ele está a demonstrar, de maneira insofismável, a falência intelectual da nossa juventude/sociedade, que, inspirada em "youtubers" do quilate de uma Kéfera, estão a sofrer uma espécie de "lobotomia de cérebros". Trata-se dum procedimento que costumo alcunhar, em tom joco-sério, de "processo de neymarização", a homenagear o futebolista Neymar, que, no momento, é o símbolo-mor da ignorância e mediocridade intelectual da nossa sociedade, habituada a eleger seus ídolos na "pátria de chuteiras e sem livros".

 
No Brasil das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, a cerimônia de abertura colocou em destaque, como representantes da "cultura" nacional, "artistas" como Wesley Safadão, Anitta e Ludmilla. Não surpreende, portanto, que  a "youtuber" Kéfera esteja a atrair tanta atenção. Já não é de hoje que produtos de péssima qualidade artística - apelativos, grotescos e descerebrados - estão a tomar o espaço de artistas talentosos na preferência do público. A inteligência jovem - que no passado aplaudia as canções politizadas e gramaticalmente geniais de um Chico Buarque - hoje está a contentar-se com músicas que falam de camarote, ostentação de riqueza, sexo com mulheres-objeto depois da balada e nádegas expostas em danças sensuais. Paralelamente, o gosto pelo humor escatológico do canal "5inco Minutos" cresce de modo exponencial, sobretudo entre os mais jovens. É a era do besteirol na internet.

Mas não sejamos pessimistas, meu caro leitor. Pensemos positivo. Na abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, tivemos a escalação do trio de pseudocantores Anitta, Safadão e Ludmilla. Foi ruim? Sim. Foi horrível. Mas poderia ter sido pior. Muito pior. Apenas reflitamos: a organização do evento poderia ter chamado o funkeiro machista e homofóbico Biel para cantar. Poderiam ter deixado o discurso tedioso do pseudopresidente Temer durar mais que 10 segundos. Poderiam ter escolhido algum ex-BBB para carregar a tocha. Só numa coisa quero crer que foram absolutamente injustos: nesse mar de mediocridade intelectual, em plena era do besteirol generalizado na internet, faltou chamarem a Kéfera. Nove milhões de seguidores no Youtube não podem estar errados. Deve haver algo de bom no trabalho dela. Pena que ainda não consegui encontrar.