Ao sair do trabalho, caminho pela rua, nas
mãos o telemóvel. Olho para a tela: um perfil de notícias que sigo no Twitter
anuncia, sabe-se lá por que razão, que Kéfera atingiu 9 milhões de seguidores
no sítio Youtube.
Impressionado com a marca, vi-me assaltado
pela curiosidade em conhecer o trabalho da "youtuber". Ao fazê-lo,
notei que alguns dos vídeos mais assistidos do canal "5inco Minutos"
são os seguintes:
1) PEIDAR NO PRIMEIRO ENCONTRO?;
2) MEU C* ME DECEPCIONA;
3) CRATERAS NA BUNDA;
4) PUTA MERDA, TÔ ATRASADA!;
5) EU SOU MESMO PIRIGUETE;
6) O DIA QUE SENTI MUITO MEDO;
7) MEU MICROONDAS EM CHAMAS;
8) O QUE AS MULHERES PENSAM ENQUANTO SE
MAQUIAM.
Entre todos, segundo apurei em pesquisa
breve, o campeão de audiência no seu canal, com impressionantes 8 milhões e
meio de visualizações, é o vídeo:
9) COM QUANTOS HOMENS JÁ TRANSEI.
Quase todos os vídeos são adeptos do humor
apelativo. A "youtuber" está a "fazer rir" com referências
explícitas a sexo, órgãos genitais, fluidos corporais, excrescências, odores desagradáveis
e escatologias duma maneira geral. Kéfera fala palavrão
como vírgula (às vezes, numa mesma oração, ela consegue colocar mais palavrões
e gírias que ideias conexas) e insiste na frase de efeito "Chupa", à qual se segue a provocação insultuosa.
Pois bem. O que dizer desse conteúdo, senão
que ele está a demonstrar, de maneira insofismável, a falência intelectual da nossa
juventude/sociedade, que, inspirada em "youtubers" do quilate de uma
Kéfera, estão a sofrer uma espécie de "lobotomia de cérebros". Trata-se dum procedimento que costumo
alcunhar, em tom joco-sério, de "processo de neymarização", a homenagear o futebolista Neymar, que, no momento, é o
símbolo-mor da ignorância e mediocridade intelectual da nossa sociedade, habituada a eleger seus ídolos na "pátria de chuteiras e sem livros".
No Brasil das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, a cerimônia de
abertura colocou em destaque, como representantes da "cultura"
nacional, "artistas" como Wesley Safadão, Anitta e Ludmilla. Não
surpreende, portanto, que a "youtuber" Kéfera esteja a atrair tanta atenção. Já não é de hoje que produtos de péssima
qualidade artística - apelativos, grotescos e descerebrados - estão a tomar o
espaço de artistas talentosos na preferência do público. A inteligência jovem -
que no passado aplaudia as canções politizadas e gramaticalmente geniais de um
Chico Buarque - hoje está a contentar-se com músicas que falam de camarote, ostentação de riqueza, sexo com mulheres-objeto depois da balada e
nádegas expostas em danças sensuais. Paralelamente, o gosto pelo humor escatológico do canal
"5inco Minutos" cresce de modo exponencial, sobretudo entre os mais jovens. É a
era do besteirol na internet.
Mas não sejamos pessimistas, meu caro leitor.
Pensemos positivo. Na abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, tivemos a escalação do trio
de pseudocantores Anitta, Safadão e Ludmilla. Foi ruim? Sim. Foi horrível. Mas
poderia ter sido pior. Muito pior. Apenas reflitamos: a organização do evento poderia ter chamado o funkeiro machista e homofóbico Biel
para cantar. Poderiam ter deixado o discurso tedioso do pseudopresidente Temer durar mais que 10 segundos. Poderiam ter
escolhido algum ex-BBB para carregar a tocha. Só numa coisa quero crer que foram absolutamente
injustos: nesse mar de mediocridade intelectual, em plena era do besteirol generalizado na internet, faltou chamarem a Kéfera. Nove
milhões de seguidores no Youtube não podem estar errados. Deve haver algo de
bom no trabalho dela. Pena que ainda não consegui encontrar.