terça-feira, 25 de dezembro de 2018

"House of Cards" não merecia este final: com sexta temporada imersa num suspense novelesco, a série afunda sem Frank Underwood



Terminei hoje de assistir à sexta e última temporada de "House of Cards". A sensação de decepção e tempo perdido foi inevitável.

Toda a sexta temporada é um desperdício. O roteiro, que já estava a decrescer de qualidade fazia alguns anos, atingiu o paroxismo da ruindade: o espectro da intriga política é abandonado, convertendo a trama numa espécie de "novela mexicana de grife". Em vários momentos, as soluções apressadas (a personagem Claire derrota seus inimigos com incrível facilidade, quase como uma super-heroína, o que não cria nenhum senso de ameaça na audiência), a sucessão de ações impactantes desapercebida de qualquer consequência séria (tentativas de assassinato de uma presidente são tratadas como algo tão banal quanto uma traquinice, enquanto personagens morrem em condições suspeitíssimas sem qualquer investigação sobre a causa) e a trama de suspense forçada ("Quem matou Frank Underwood?" é um mote tão previsível quanto desinteressante) lembraram os roteiros das telenovelas brasileiras. Até o clichê do sentimentalismo da gravidez/maternidade (um xarope!) foi invocado. Aquilo ali não era "House of Cards". Como eu considero as telenovelas um tipo de entretenimento difícil de aturar, só cheguei até o fim da temporada pelo saudosismo em relação a alguns personagens (Doug Stamper, para ser mais preciso, embora ele próprio tenha sido transformado num fanático psicótico, a culminar com um dos piores desfechos que já vi na TV; no fim, a impressão que se tem é de que, entre as personagens secundárias, só o Viktor Petrov se salvou da descaracterização).

E aí chegamos ao calcanhar de aquiles: Robin Wright esforça-se, mas sua personagem não tem nem um décimo do carisma da personagem de Kevin Spacey. Ela funcionava como coadjuvante na trama. E só. Sem Frank Underwood, a série afunda de maneira inglória sob o protagonismo de Claire.

Como acredito que os desvios de conduta do ator Kevin Spacey não poderiam deixar de ser sancionados (a Netflix agiu bem ao despedi-lo), a decisão mais sensata dos produtores teria sido cancelar a série na quinta temporada (que, diga-se de passagem, já tinha sido fraca). O fim teria sido menos inglorioso.

Para uma série que mudou para sempre a história da TV mundial, ao projetar globalmente a Netflix e o modelo de serviço de vídeo sob demanda que a empresa comercializa, "House of Cards" não merecia um final tão patético como o que a fraquíssima sexta temporada entregou.

De toda sorte, fica a lembrança das duas primeiras temporadas: ali, sim, estivemos diante de uma das melhores telesséries já feitas sobre política. Da maneira como terminou, entretanto, desgraçadamente ficou um travor.

Frank Underwood deixará saudade. House of Cards, não.