Porque na entrada para a Ciência, como na entrada do inferno de Dante, é preciso impor a exigência "Qui si convien lasciare ogni sospetto/ Ogni vilta convien che sia morta" (Marx), porque a Ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar (Sagan), porque o poeta é o príncipe da altura e asas de gigante impedem-no de andar (Baudelaire), porque o homem é um ser-para-a-morte (Heidegger), porque filosofar é aprender a morrer (Montaigne), este é um blogue para todos e para ninguém.
Neste final de ano, tive um sobressalto com
a audição de "Mirages", álbum da cantora francesa Sabine Devieilhe. O
disco, que me foi indicado por um amigo europeu cultor da arte erudita, tem
obtido grande êxito radiofônico e de crítica no Velho Continente. E, dada a qualidade do registro sonoro associada ao repertório primoroso de árias francesas, não é sem
razão.
Admito que, ressalvado seu trabalho na
interpretação de peças do classicismo mozartiano, conhecia muito pouco da
discografia de Sabine Devieilhe. Porém, após a ouvida atenta de “Mirages”,
enlevei-me pela beleza invulgar da voz dessa soprano, comparável à de uma
Natalie Dessay (e isso é um elogio imenso!).
Para o leitor do blogue Metamorfose do Mal
que deseja conhecer a artista, segue um vídeo disponibilizado no sítio Youtube
pela gravadora Warner Classics, a apresentar um trecho da gravação em estúdio
de “Ária dos Sinos”, extraída da ópera "Lakmé" (1883), de Léo Delibes (1839-1891), uma
das faixas mais encantadoras no repertório do álbum "Mirages".
Que técnica vocal esplêndida!
Que soprano coloratura maravilhosa!
Mal posso esperar para vê-la em concerto na
Europa!
Um dos meus cantores favoritos é o russo Dmitri
Hvorostovsky. Como sói acontecer com os artistas mundialmente renomeados da música erudita, ele é praticamente desconhecido no Brasil. Apesar disso, é uma das principais vozes do circuito operístico europeu, sempre a entregar belas interpretações em seus papéis no teatro.
A aparência eslávica oriental imponente
contribui, de modo decisivo, para o êxito artístico de Hvorostovsky. Digo-o,
pois, quem tiver a oportunidade de vê-lo de perto numa de suas apresentações, perceberá
que ele tem a aparência dum lutador peso-pesado de MMA. Tal compleição física
avulta inda mais proeminente frente aos cantores gordotes com os quais ele se
põe a contracenar nas óperas, já que não é comum ver um sujeito alto e
musculoso cantar como ele canta.
Por falar em canto, diferentemente da música
popular, meio no qual beleza põe a mesa, na música erudita só a boa aparência
não basta. Um artista sem talento não sobrevive. Nesse ponto, Hvorostovsky não
falha: sua voz é seu instrumento magnânimo no palco. Com uma impostação técnica
precisa, ouvi-lo cantar é assustador: qual barítono, ele tem uma potência vocal
verdadeiramente impressionadora.
O poeta russo-ucraniano Yevhen Hrebinka (1812-1848), autor da letra de "Olhos Negros".
A fim de demonstrar o talento de Hvorostovsky,
separei para o leitor do blogue Metamorfose do Mal um registro em vídeo duma
apresentação realizada em 2004 na sala de concerto do respeitadíssimo Conservatório
de Moscou. Nela, pode-se observar o afamado barítono russo a interpretar "Olhos
Negros".
"Olhos Negros" (em russo: "Очи
чёрные", "Ochi chyornye") é uma canção celebérrima do folclore
da Rússia e cuja letra foi escrita pelo poeta russo-ucraniano Yevhen Hrebinka. Trata-se duma composição romântica, que logrou tornar-se bastante popular no começo do século XX, graças a Feodor Chaliapin (1873-1938) - o grande barítono russo, dono duma exitosa carreira internacional nas principais casas de ópera europeias.
"Olhos Negros" é uma canção pulcra,
idônea a sintetizar, como nenhuma outra, a "alma russa". O pungimento
do eu-lírico está a acentuar-se ainda mais na voz magnificentíssima de Hvorostovsky –
indiscutivelmente, um dos maiores cantores em atividade no planeta.
O compositor alemão Johannes Brahms por volta dos 30 anos,
idade em que começou a escrever o seu réquiem, inspirado pela morte da mãe.
Neste feriado do Dia de Finados, estou a
ouvir a obra "Ein deutsches Requiem, nach Worten der heiligen
Schrift" (ou simplesmente "Ein deutsches Requiem”, Op. 45), do compositor alemão Johannes Brahms (1833-1897).
Trata-se de um réquiem – a forma musical da
missa fúnebre. Inspirado pela morte de sua mãe, Brahms, tomado de assalto pelo espírito lutuoso, compôs os sete movimentos dessa partitura no
período que vai de 1865 a 1868. Protestante, fê-lo a musicar excertos da tradução da Bíblia feita por Martinho Lutero, razão pela qual seu réquiem é cantado em alemão, e não em latim - como sói acontecer na tradução erudita católica. A sublimar ainda mais a grandeza da sua obra,
além do coro sinfônico, Brahms incluiu um solo de soprano e outro de barítono.
A lobreguidão magnânima desse réquiem posiciona-o qual uma das composições mais relevantes de todo o Romantismo na história universal da música. Sobretudo pela maneira imponente com que o compositor tudesco emprega o canto coral na
composição longa, aprecio muitíssimo essa obra.
Indiscutivelmente, a lugubridade da sua melodia está a falar diretamente ao coração.
No registro abaixo, temos a interpretação de "Um Réquiem Alemão" de Brahms pela Filarmônica de Berlim, sob a regência
do maestro italiano Claudio Abbado. Gravada em 1997 na Musikverein - a mais famosa sala
de concerto de toda a Europa e "lar" da Filarmônica de Viena, a apresentação esteve a homenagear o centenário do passamento de
Johannes Brahms, que morreu em 1897 na capital austríaca.