segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

HISTÓRIAS DA MÚSICA: A HISTÓRIA DE "WIDMUNG" (MYRTHEN, OP. 25, nº 1), DE ROBERT SCHUMANN (1810-1856)


Uma das composições mais conhecidas do repertório pianístico é "Liebeslied". Nem todos sabem, no entanto, que o celebérrimo arranjo do húngaro Franz von Liszt (1851-1919) foi desenvolvido para o piano solo a partir de "Widmung", tema originalmente escrito pelo compositor alemão Robert Schumann (1810-1856).

Como é cediço, Schumann foi um dos maiores nomes do Romantismo na música. Sua biografia é emocionante como sua arte, já que o compositor viveu um amor intenso pela esposa, a pianista Clara Schumann, foi pioneiro da crítica musical com a criação da Neue Zeitschrift für Musik na Alemanha, além de ter sofrido terrivelmente a vida inteira com um histórico de doenças mentais que foram consumindo sua sanidade pouco a pouco. A gravidade dos males psíquicos que o acometiam era tamanha que Schumann, num gesto desesperado, chegou a tentar o suicídio. Fracassou no propósito de ceifar a própria vida, mas, destruído mentalmente pela doença, veio a falecer em 29 de julho de 1856.
Robert e Clara Schumann formaram um dos casais mais famosos da história da música erudita.
Em destaque, cartaz que anuncia uma de suas apresentações na Alemanha.
Do ponto de vista composicional, Schumann é conhecido pela grandiloquência de suas melodias. Em 1840, ele deu início a um projeto artístico ambicioso: musicar os versos de grandes poetas. Esse projeto ficou conhecido como o "ciclo de canções Myrthen" (Op. 25). Nomes como Johann Wolfgang von Goethe, George Gordon Byron, Thomas Moore, Heinrich Heine, Robert Burns e Julius Mosen tiveram algumas de suas obras utilizadas como letra para as composições do maestro.

A mais popular das peças do ciclo é indubitavelmente “Widmung”. Trata-se de uma canção de amor cuja letra foi extraída dos versos escritos pelo poeta Friedrich Rückert (1788-1866) - um autor exponencial da Literatura alemã, mas infelizmente pouquíssimo conhecido dos leitores brasileiros não fluentes no idioma germânico, dada a carência de traduções para a língua portuguesa. Apesar disso, “Widmung” tornou-se especialmente famosa entre os cultores da música erudita, haja vista sua popularização crescente como peça fundamental do canto lírico alemão e mundial.
 
Aliás, só a título de curiosidade, é pertinente recordar que "Widmung" é muita vez escolhida como trilha sonora de casamentos na Alemanha. E não é sem razão. A partitura foi escrita qual um presente de Schumann para sua então noiva Clara Wieck. Por isso, a canção faz uso dos versos de Rückert, que expressam um amor profundo, digno de um coração apaixonado e devotado. O eu-lírico caracteristicamente romântico do poeta encontra na mulher amada o significado de sua própria existência (ela traz sua paz, é seu mundo, sua alma, sua dor; ser amado por ela faz com que ele se sinta alguém importante). O próprio título escolhido pelo autor ("Widmung") em alemão remete à ideia de dedicação (devoção) a alguém. Era exatamente assim que Schumann se sentia diante de Clara, a mulher cujo amor representava a redenção da alma de um artista extremamente sensível, porém atormentado por dificuldades psíquicas que o oprimiriam até sua morte. Eis então os motivos que fazem de "Widmung" uma declaração de amor invulgar, extremamente elegante. É obra lavrada na mais pura sensibilidade lítero-musical do gênio humano. É obra típica de quem ama a música e a arte erudita.

Clara Wieck, noiva de Schumann. Para homenageá-la,
o compositor alemão compôs "Widmung", musicando os versos do poeta Friedrich Rückert.
 
Assim como ocorre com "Liebslied" (S566), transcrição para o piano de Liszt, considero "Widmung" outra das composições eruditas românticas que tocam o meu coração em profundura. É o tipo de declaração de amor que todo homem um dia deveria dedicar a uma mulher (se tiver sensibilidade suficiente para isso, é claro), tal como o fez Robert Schumann, o gênio que tantas obras dedicou à sua amada Clara, nesse amor que marcou para sempre a história do Romantismo na música erudita.

Du meine Seele, du mein Herz,

Du meine Wonn', O du mein Schmerz

Du meine Welt, in der ich lebe,

Mein Himmel du, darein ich schwebe,

O du mein Grab, in das hinab

Ich ewig meinen Kummer gab.

Du bist die Ruh, du bist der Frieden

Du bist vom Himmel mir beschieden.

Daß du mich liebst, macht mich mir wert,

Dein Blick hat mich vor mir verklärt

Du hebst mich liebend über mich,

Mein guter Geist, mein beßres Ich!
 
 
 
 
 

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