Quando eu ainda era estudante de violão no
conservatório, recordo-me que nós, alunos dedicados ao aprendizado da música
erudita, tínhamos extrema dificuldade em obter material para o aprofundamento
dos nossos estudos. À época, a internet não era tão difundida e, portanto, só
com muito esforço poderíamos conseguir partituras de peças raras, escritas por
compositores menos conhecidos. Também era difícil ter acesso às obras da literatura
musical, que iam da historiografia, passavam pela musicologia, e chegavam aos
compêndios teóricos e métodos de estudo instrumental. Da mesma maneira, para conseguirmos álbuns dos maiores
artistas, só com a ajuda de professores, considerando que, no Brasil, com os diletantes em extinção, a cousa mais
rara é encontrar um profundo conhecedor da arte musical erudita que
não seja (ele mesmo) um músico profissional. Vídeos de concertos
e "master class" então eram praticamente impossíveis de obter-se.
Nossa pena saltava aos olhos: tínhamos a ousadia de
cultuar a música erudita num país de pouquíssima tradição - e quase nenhum incentivo!
- nessa forma maior e mais sofisticada da expressão artística. Assim, deparávamo-nos com a inacessibilidade das gravações de concertos, só encontráveis em DVDs comercializados a preços caríssimos, importados da Europa ou dos EUA. Não éramos ingênuos de acreditar que um dia veríamos músicos eruditos receberem o destaque merecido na
TV aberta (até hoje, em pleno ano de 2015, nada mudou nesse sentido). O motivo era evidente: a arte erudita não tem o potencial mercadológico da música popular junto ao público brasileiro; o maior mercado do mundo para esse tipo de música está na Europa, e é inegável que a música erudita é parte essencial da pulcritude que a cultura europeia legou para a humanidade. Sabíamos que a arte erudita, malgrado fosse o que de mais extático e grandioso o talento humano tinha sido capaz de produzir na história, era uma paixão de nicho, quase uma cabana inabitada no alto de uma colina, só acessível a uns poucos iluminados (acreditem: não nos orgulhávamos disso; ao contrário, sempre estivemos a desejar que mais e mais pessoas pudessem apreciar o que de melhor a arte pode oferecer aos sentidos humanos).
Dessa maneira, quando assisto a vídeos raros como
este, datado de 1963, em que o virtuose inglês Julian Bream aparece a executar
um movimento de concerto do compositor Malcolm Arnold (regido por ele
próprio!), ponho-me a pensar como a tecnologia tornou acessível às pessoas em
todo o mundo ricas fontes de pesquisa e estudo da arte erudita. Para aqueles
que, como eu, travaram desde a infância uma duríssima batalha quando de sua
educação musical formal, época em que eu precisava de muito dinheiro e empenho
para importar um simples álbum da Alemanha (como era impossível encontrá-los na
minha cidade, até alemão eu precisei aprender para conseguir esses materiais de
estudo), é maravilhoso pensar que as novas gerações têm acesso - com extrema
facilidade - a tudo aquilo que eu e meus condiscípulos só com imensa dificuldade
podíamos obter num passado nem tão distante assim (afinal, eu não sou tão velho e, segundo classificações etárias oficiais, inda figuro no grupo de jovens adultos da população brasileira).
Por isso, parece-me apropriado concluir que, no século XXI, na era da internet e do mundo
das relações líquidas, onde tudo desmancha no ar com a mesma velocidade da chama que se acende em um palito de fósforo, o que falta ao público não é acesso ao estudo da arte; o que falta é a orientação adequada para navegar no mar infindo das fontes culturais facilmente acessíveis com um clique no botão do telemóvel ou do computador. Desse ponto de vista, creio que somente a
educação pode revelar finalmente ao público a diferença entre o lixo - produzido no
plano do baixo nível cultural para consumição imediata - e a arte no seu mais
elevado grau de beleza, tributo do lídimo gênio humano. Assim é que concluo: só a educação ensina a navegar nos mares virtuais cada vez mais poluídos por tolices; só a educação separa o artista do consumidor de lixo.
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