Esta semana publiquei um brevíssimo texto
no meu perfil no Facebook, a apontar um notório (e abissal) desnível de intelecto entre o ouvinte que encontra prazer na ouvida de gêneros
popularescos, como o "funk" (rectius: batidão) carioca, e aquele cujo espírito altaneiro só alegra com a música erudita. Ao fazê-lo, ainda que de maneira elegante, é habitual aparecerem alguns utentes da rede social para
agredir-me com palavras de baixo calão. Na verdade, essa circunstância desagradável tem-se tornado cada vez mais frequente pari passu à repercussão dos meus ensaios de crítica de arte. Especialmente quando meus escritos vem a lume
na Revista Bula de jornalismo cultural (até porque o meu blogue dedicado à
cultura erudita, o Metamorfose do Mal, ninguém lê mesmo), observo acentuar-se essa tendência infamante. E até no meu local de trabalho já tomei partido da existência de pessoas que me odeiam em segredo, incomodados com o teor irônico dos meus escritos sobre arte.
Tais "ofensores de Facebook" quase nunca são meus amigos virtuais. Nas poucas vezes em que o foram,
eu os excluí sumariamente, até porque nunca fiz questão de ter amizade com quem
adota a baixaria como postura de vida e a injúria como ferramenta para encobrir sua incapacidade de argumentar, embora eu saiba que a baixeza, sob a forma do "veneno digital", converteu-se na tônica das discussões arquitetadas nas redes sociais. Por essa razão, presumo que são "amigos
de amigos", isto é, pessoas que - só por muita falta do que fazer na vida - vêm à minha página
pessoal destilar seu ódio contra mim.
Esses utentes de Facebook desrespeitosos têm
uma característica em comum: são adeptos do relativismo cultural. Segundo
pensam, qualquer porcaria que se faça tem valor artístico. Para eles, a
coreografia sexualizada que acompanha uma música de axé tem o mesmo valor
artístico que um balé de Tchaikovsky. Para eles, Carlinhos Brown cantando
"A namorada tem namorada, eta!" equivale artisticamente a Beethoven
musicando um poema de Friedrich Schiller
no movimento derradeiro da Nona Sinfonia. Para eles, Miguel Falabella é um dramaturgo
tão importante quanto Augusto Boal, Maitê Proença escreve tão bem quanto
Graciliano Ramos e Caio Castro atua no mesmo nível de Paulo Autran. No mundo em
que vivem, a crítica de arte não tem nenhum papel a desempenhar. Afinal,
qualquer lixo que se faça tem valor artístico. Não há necessidade de problematizar, logo, vale tudo.
Mas meu problema com os relativistas não é
sua visão medíocre da arte (e, por extensão, da própria vida). Meu problema é que são
covardes. Nunca publicaram nada, nunca produziram nada do ponto de vista
intelectual. Sua "obra" limita-se a ofender os outros no Facebook -
e, o que é pior, gratuitamente. Como não dispõem de uma formação intelectual
sólida o bastante para protagonizar o debate intelectual, então agem como
crianças mimadas incapazes de ouvir opiniões divergentes e partem logo para a
ofensa. Por que não se portam como pessoas realmente inteligentes e passam a expor suas ideias? Por que não criam
um blogue e publicam a apologia do artista que tanto admiram? Por que não se
colocam corajosamente na trincheira do debate intelectual brasileiro,
submetendo à prova seus pontos de vista? Penso que seria um emprego de tempo
bem mais útil do que vir agredir-me em uma rede social qualquer.
Dessa maneira, aos relativistas de plantão no
Facebook, quero deixar-lhes um testamento "erga omnes". Meu amigo (ou
minha amiga, tanto faz), se você é incapaz de ver diferença de valor
estético entre a música feita pelo Mr. Catra e a música feita por Ludwig van Beethoven, se você gosta de "balançar as nádegas até o chão" no funk e
acha que isso é tão digno, divertido e "artístico" quanto o modo com que Jascha Heifetz tocava seu
violino, então você é um ser humano de individualidade limitada e se enquadra
perfeitamente no que o filósofo Arthur Schopenhauer escreveu no seu livro "Aforismos para a sabedoria de vida": “Ninguém é capaz
de ir além de sua própria individualidade. Um animal, quaisquer sejam as
circunstâncias às quais esteja submetido, permanece confinado a um pequeno
círculo irrevogavelmente determinado pela natureza, de tal forma que, por
exemplo, nossos esforços para agradar um animal de estimação devem sempre se
manter dentro dessas fronteiras exatamente devido aos limites de sua verdadeira
natureza, restritos ao que esse pode sentir. Acontece o mesmo com o homem; a
medida de sua felicidade possível é determinada de antemão por sua
individualidade. Particularmente, os limites de seus poderes mentais fixaram em
definitivo sua capacidade para prazeres de natureza mais elevada. Se tais
poderes forem pequenos, nenhum esforço exterior, nada que seus companheiros ou
que seu destino fizer será suficiente para elevá-lo além do grau habitual de
felicidade humana e prazer meio-animais. O que lhe resta são os prazeres dos
sentidos, uma confortável e alegre vida familiar, má companhia e passatempos
vulgares.”
Um ser humano dono de uma individualidade
pobre só pode mesmo contentar-se com passatempos vulgares e andar ao lado de más companhias (isto é, admirar artistas de talento reduzido). Pois vulgar é a sua
natureza; e ele não pode ir além de sua própria individualidade. A mediocridade
é o seu locus por excelência. Nem para eleger seus ídolos ele dispõe de qualquer ambição. Nenhum
esforço exterior, por mais forte que seja, pode retirá-lo da vala comum em que chafurda na lama prenhe de dejetos do prazer meio-animal. Seu intelecto limitado e sua sensibilidade
restrita constituem a sua condenação. Sua pena é jamais enxergar o belo para além das
asperezas da superficialidade mundana. Sua prisão perpétua é não ter a condição humana necessária para experimentar os prazeres de natureza mais elevada que só a arte invulgar pode proporcionar.
Não deixe de escrever e de publicar. Esse post (das individualidades depauperadas) da o exato tom da necessidade de pessoas como vc. Ainda q em número sejamos menores (os teus leitores e admiradores), acredito que vale a pena (até porque perdemos bem menos tempo com mídias sociais do que os que os medíocres - pra nao dizer pior). Este post está particularmente genial. Muitas vezes dizer o óbvio, dependendo de como se diz, é genial. Esse post bem demonstra isso (que nem só o inédito eh genial; captar o óbvio tbm e). Grde abraco
ResponderExcluirObrigado pelo comentário. Não fazia ideia que eu tivesse admiradores (risos). Sempre que me ponho a escrever no blogue "Metamorfose do Mal" - o que nem sempre é fácil, em face da minha apertada agenda profissional, a subtrair-me infelizmente o tempo da escrita - tenho a impressão de que estou a falar para as paredes (risos). Portanto, comentários elogiosos como o teu dão-me a certeza de que, não obstante todas as dificuldades, vale a pena continuar a escrever neste humilde espaço de divulgação das minhas ideias. Recebo, portanto, com muita satisfação o teu elogio e incentivo. Contar com o apoio dos leitores, ainda que em número reduzido, é importante para mim. Muito obrigado.
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