
Porque na entrada para a Ciência, como na entrada do inferno de Dante, é preciso impor a exigência "Qui si convien lasciare ogni sospetto/ Ogni vilta convien che sia morta" (Marx), porque a Ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar (Sagan), porque o poeta é o príncipe da altura e asas de gigante impedem-no de andar (Baudelaire), porque o homem é um ser-para-a-morte (Heidegger), porque filosofar é aprender a morrer (Montaigne), este é um blogue para todos e para ninguém.
quinta-feira, 30 de março de 2017
segunda-feira, 27 de março de 2017
domingo, 26 de março de 2017
quarta-feira, 22 de março de 2017
segunda-feira, 20 de março de 2017
domingo, 19 de março de 2017
sábado, 18 de março de 2017
Carne fraca
Era final de semana. A tradicional família brasileira
estava reunida num domingo qualquer. O pai, após observar a despensa vazia, sugere almoçar
fora. Com um aceno de cabeça, todos consentem.
Dirigem-se, então, a uma churrascaria
no centro da cidade. Escolhida a mesa, aproxima-se o garçom:
- Amigo, hoje tem rodízio? – diz o pai da
família.
- Sim, senhor. Está R$ 100 por pessoa.
- Meu Deus! Que absurdo! Tá caro demais! – a
mãe reage repassada de indignação. Ao seu lado, os filhos já estão a exibir um
rosto verde de fome.
- Tem outra opção de rodízio mais barata –
emenda o garçom, temeroso de perder os clientes. - É o nosso "rodízio Friboi".
- E qual o preço? – pergunta o pai.
- Nessa opção, senhor, o rodízio de carnes tem
um custo individual de apenas R$ 10,00.
- Nossa! Dez reais! Agora tá barato até
demais! – exclamou a mãe, a esboçar um sorriso um tanto irônico. - Qual o motivo
desse preço ser assim tão baixo? O rodízio oferece menos carne? Dura menos? É
promoção?
- Não, não, senhora. Esse rodízio é mais barato, porque ele oferece ao cliente a carne Friboi, que tem como grande diferencial já vir estragada de fábrica. Friboi é a única carne com
100% de garantia de que está podre.
- Ah, agora sim – diz o pai aliviado. –
Comendo a carne podre da Friboi a gente pode ficar tranquilo que não tem chance
de estragar, não é mesmo?
- Sem dúvida, senhor – respondeu o garçom com
segurança. – O selo Friboi de qualidade impede que a carne corra qualquer risco
de perecimento ou apodrecimento. Pois, como eu disse, a carne Friboi já vem
podre de fábrica.
- Risco zero de putrefação.
- Exato.
Nesse instante, o garçom arqueou suas
sobrancelhas num tom de sabedoria. Em seguida, continuou:
- E quem come Friboi ainda contribui para uma
causa social nobre.
- É mesmo? – perguntou a mãe. – Qual é?
- É que parte do dinheiro arrecadado com a
venda de carne podre é reinvestido pela Friboi para pagar propinas a políticos
e o caixa dois de partidos. Ou seja: tudo o que o brasileiro gosta num só lugar:
carne podre da boa e corrupção correndo solta! Se o senhor quiser - empolgou-se o garçom -, ainda podemos lhe oferecer o especial do dia, que é a carne forrada com papelão. Peito de frango, linguiça e picanha forrada com papelão é um dos rodízios preferidos dos nossos clientes aqui na churrascaria.
- Garçom, então tá decidido - falou o pai, entusiasmado, a bater a palma da sua mão sobre a mesa e a olhar para a mulher e as crianças, que retribuíram com um olhar esfomeado. - Pode trazer o rodízio de carnes Friboi!
- Excelente escolha. O senhor vai querer também a carne com papelão?
- Sim! Com certeza!
- Então é pra já! Sai um rodízio Friboi de carne podre e com papelão. Como diz o Tony Ramos na propaganda: “Confiança é Friboi!”
- Sim! Com certeza!
- Então é pra já! Sai um rodízio Friboi de carne podre e com papelão. Como diz o Tony Ramos na propaganda: “Confiança é Friboi!”
- Confiança é Friboi!! – repetiu em coro
aquela família brasileira na churrascaria, a salivar de fome na expectativa de provarem todo o sabor daquelas carnes maravilhosas e do seu delicioso recheio de papelão.
sexta-feira, 17 de março de 2017
quinta-feira, 16 de março de 2017
quarta-feira, 15 de março de 2017
terça-feira, 14 de março de 2017
segunda-feira, 13 de março de 2017
domingo, 12 de março de 2017
sábado, 11 de março de 2017
Fundamentação da Metafísica dos Costumes do Corpo Metafísico: prolegômenos da crítica da razão proteica pura
A navegar pelo Facebook, deparo-me com vários
amigos naquela rede social a compartilhar, em tom pilheriador, o texto de uma
colunista social de Brasília. Na manchete, via-se a expressão curiosa que, para
o divertimento geral da nação, seria capaz de arrancar risadas do mais sisudo
dos leitores: “Juliana Puppin dá dicas para ter corpo metafísico em meio à
rotina”.
Li a notícia no afã de descobrir o que seria,
afinal, o tal do "corpo metafísico". Saí frustrado. Tudo o que encontrei foi o
conteúdo previsível dessas notícias de colunas sociais: uma advogada, socialite
endinheirada, põe-se a explicar como cuida do seu corpo esbelto no dia a dia terrivelmente
sacrificante e penoso de quem acorda todos os dias, obcecado, para exercitar-se
e queimar o maior percentual possível de gorduras. Ali a jovem
senhora é descrita como adepta de "treinos ondulatórios" - seja lá o que isso for - com o seu personal trainer e que tem curtido
ultimamente praticar Muay Thai ao ar livre. Em resumo: um desfile de informações inúteis,
típico, por sinal, desse tipo de publicação que visa a exaltar o ego de celebridades e “gente
diferenciada” da alta sociedade brasileira.
Obviamente, eu jamais leio conteúdos desse
nível. Fi-lo, todavia, estimulado pela expressão “corpo metafísico”, desejoso
de entender esse novíssimo aparato filosófico conceitual. Ao final, não achei
explicação satisfatória para qualquer sentido “metafísico” que a autora da
matéria quisesse emprestar à rotina de treinos da advogada marombeira.
Apesar disso, flagrei-me a matutar sobre
aquela expressão curiosa da filosofia fútil: corpo metafísico. Não me parecia bastante afirmar que o emprego do termo “metafísico”,
para referir-se ao “corpo”, era o simples resultado do analfabetismo filosófico
da colunista que escreveu aquela matéria. Eu precisava ir além daquela obviedade. Tinha
de haver algo mais naquele conceito inovador.
Foi assim que, ensimesmado, percebi que
aquela coluna sobre a rotina banal duma advogada estava, em verdade, a anunciar
uma das maiores revoluções da história do pensamento filosófico mundial. Trata-se
da "doutrina do corpo metafísico".
Proponho-me o desafio de explicar os prolegômenos dessa filosofia,
caro leitor.
Filosoficamente, a "doutrina do corpo
metafísico" tem como matriz teórica uma interpretação renovada da Grundlegung zur Metaphysik der Sitten
("Fundamentação da Metafísica dos Costumes"), do filósofo alemão
Immanuel Kant.
Em sua obra clássica, Kant propunha o estudo
da filosofia moral expurgado de quaisquer influências empíricas, fundadas em
princípios da experiência, uma vez que a dimensão da obrigação moral não se
situaria na natureza do homem ou de suas condições, mas sim no plano
apriorístico da razão pura. Assim, o gênio alemão buscava extrair a base da sua
filosofia pura dos costumes, a fonte dos princípios práticos que residem a priori na nossa razão. Kant, com sua filosofia
moral pura, queria encontrar diretrizes práticas capazes de evitar a
degenerescência dos costumes desapercebidos duma razão apriorística.
Pois bem. A filosofia moral do "corpo
metafísico" segue a da doutrina kantiana: é preciso cultivar um corpo calipígio, bem
fornido, ancudo. Para isso, é preciso expurgar toda influência empírica sob a
forma de gorduras e carboidratos. Só a pura razão proteica pode levar ao
crescimento da musculatura em patamares olímpicos.
Dessa maneira, o sonhado "corpo
metafísico" não pode ser atingido em um treino baseado em princípios da
experiência – desses que o leitor encontra na academia de musculação da esquina, onde marombeiros
ficam a puxar ferro dia e noite e a entupir-se de anabolizantes. Muito pelo
contrário. O corpo metafísico é o resultado de um treinamento ondulatório,
guiado por suposições apriorísticas de musas "fitness" na internet. Seu
fim é levar o malhador (ou malhadora, tanto faz) ao paroxismo da calistenia pura: um estágio em que o
marombeiro já não pratica o exercício para ficar sarado, ter um corpo bonito e saudável.
Não basta fazer as séries de exercícios para que o corpo seja considerado metafisicamente
bombado. É preciso malhar não pelo corpo em si, mas pelo amor ao exercício! É preciso
amar o supino, o voador, o agachamento; é preciso idolatrar cada movimento com
o Kettlebel e usar tanto o haltere pintado quanto o emborrachado, pois, em se tratando
de instrumentos ginásticos, o corpo metafísico não faz qualquer diferenciação. É necessário, finalmente, declarar sua fidelidade à razão proteica, materializada na marmita de peito de frango e batata doce, que deve acompanhar o marombeiro kantiano em todo e qualquer momento do seu dia ao lado do seu shake de whey protein. Na metafísica dos costumes do corpo metafísico, a disciplina na dieta e nos exercícios é tudo.
É incontestável que o corpo metafísico está a cobrar um preço elevado, mas não sem recompensa. Quem segue essa doutrina pode aparecer em coluna social, a dar dicas de treinos para os mortais de corpos obesos, prenhes de lipídios.
Como bônus, é possível ainda exibir a "boa forma metafísica" no
Instagram. Afinal, no mundo físico, a carne pode até perecer com o tempo; mas,
no mundo metafísico e idealizado das fotos compartilhadas nas redes sociais, o
corpo é puro e etéreo, o sorriso é plástico e a inveja do "corpo metafísico" é imortal - ou,
para usar uma expressão bem ao gosto dos causídicos marombeiros, imprescritível.
Esses são os prolegômenos da crítica da razão
proteica pura. Portanto, caro leitor, da próxima que fores a uma academia,
lembra-te dos fundamentos da metafísica dos costumes do corpo metafísico.
Expurga do teu treinamento todo e qualquer princípio da experiência de comer carboidratos;
afasta de ti este cálice que é a vileza da gordura! Lembra-te sempre de que não
basta malhar todos os dias para que a maromba seja considerada moralmente boa.
É preciso malhar por amor ao exercício. Só assim se pode alcançar o pináculo da
existência humana – o corpo metafísico.
quarta-feira, 8 de março de 2017
terça-feira, 7 de março de 2017
segunda-feira, 6 de março de 2017
domingo, 5 de março de 2017
ANTOLOGIA RECOMENDADA: "Os Melhores Textos da BULA"
Organizada pelo jornalista e poeta Carlos
William Leite, a edição está a reunir alguns dos melhores textos publicados na Revista
BULA, uma das principais publicações eletrônicas de jornalismo cultural do
Brasil. São artigos, ensaios e crônicas de escritores valorosos, cujo trabalho
vale a pena conhecer.
Para meu especial contentamento, a seleta
está a contar com um ensaio de minha autoria. Originalmente publicado aqui
mesmo no blogue Metamorfose do Mal, o ensaio foi republicado na Revista Bula e
ora convertido em texto impresso pelo editor do livro.
Sinto-me particularmente feliz em participar
dessa antologia. Explico. Já faz alguns anos que estou a colaborar, ainda que
modo intermitente, com uma coluna na Revista BULA. Tal colaboração permitiu que
meu trabalho no jornalismo cultural, sobretudo na crítica de arte,
originalmente restrito ao pequeno número de leitores que estão a acessar a
miúdo meu blogue Metamorfose do Mal, pudesse estender-se a um público
infinitamente mais amplo, dada a popularidade extraordinária de que está a
gozar o sítio da BULA nas redes sociais, a contabilizar todos os meses milhões
e milhões de acessos em todo o Brasil.
Nessa toada, sou muito grato ao incentivo que
recebi dos jornalistas Euler Fagundes de França Belém, editor do Jornal Opção,
e do já citado Carlos William Leite, editora da BULA, os quais foram os
primeiros a abrir espaço nos jornais para minhas colaborações como crítico de
arte. Essas oportunidades contribuíram decisivamente para que eu permanecesse
motivado a escrever sobre cultura, não obstante não se cuide da minha área de
atuação profissional e, portanto, não se constitua na fonte do meu sustento.
Desse modo, estou a deixar registrado o
convite para o leitor: adquira o seu exemplar da antologia “Os Melhores Textos
da BULA”.
quinta-feira, 2 de março de 2017
Assinar:
Postagens (Atom)