
Porque na entrada para a Ciência, como na entrada do inferno de Dante, é preciso impor a exigência "Qui si convien lasciare ogni sospetto/ Ogni vilta convien che sia morta" (Marx), porque a Ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar (Sagan), porque o poeta é o príncipe da altura e asas de gigante impedem-no de andar (Baudelaire), porque o homem é um ser-para-a-morte (Heidegger), porque filosofar é aprender a morrer (Montaigne), este é um blogue para todos e para ninguém.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
segunda-feira, 25 de dezembro de 2017
domingo, 24 de dezembro de 2017
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
Como estragar um concerto com uma tossidela
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Não foi desta vez, Hilary. |
No meu tempo livre, desenvolvi o hábito de
perscrutar o sítio Youtube, a buscar interpretações ao vivo de grandes obras da
música erudita nas principais salas de concerto do mundo. Aquelas pelas quais
me deixo enamorar, costumo converter em arquivo de áudio. Ouço-as, pois, no
som do meu carro, qual terapia para suportar o trânsito caótico que fustiga
duramente a cotidianidade citadina no Brasil.
Hoje, ao ouvir a interpretação da virtuose
estadunidense Hilary Hahn para "The Lark Ascending for violin and
orchestra" (1914), de Ralph Vaughan Williams, gravada ao vivo com a
Camerata Salzburg por ocasião do Festival George Enescu em outubro de 2013,
vi-me tomado pelo arroubamento próprio de quem se depara com uma obra de arte
de qualidade refinada. Extático, persuadi-me a converter a gravação da peça e ouvi-la sem detença no som do meu veículo.
Entretanto, quando já se aproximava o encerramento da peça, num
momento de concentração suprema na sala, em que o silêncio só se permitia
quebrar pelas frases que o arco da concertista estava a extrair lindamente do violino,
alguém na plateia tosse com brusquidez. "Não!", gritei mentalmente, tomado de assalto pelo inconformação. Justifico meu aborrecimento: no momento em que o sujeito na plateia tossiu, para mim, perdeu-se a
gravação.
Está a parecer exagero. Sei-o bem. Aposto mesmo
que boa parte do público sequer se deu conta daquela tossida brevíssima. Mas, para um ouvido
treinado e sobretudo acostumado a ouvir as tenuidades que só a música
erudita é capaz de proporcionar num nível de linguagem artística aprofundado, a ouvida daquele indesejado
aparte tossegoso prejudicou inapelavelmente a qualidade do registro. Uma pena, pois a execução de Hahn dava-se a primor.
Música erudita é assim mesmo. Nenhum outro público é tão chato, porque ninguém é tão exigente quanto a detalhes. Na música erudita, não se admite nada menos que a perfeição. Qualquer coisa abaixo disso é inaceitável. Muito do prazer de quem gosta desse tipo de arte reside precisamente em saber que se trabalha com uma matéria-prima representativa do que de mais belo e perfeito o gênio humano já foi capaz de produzir. É normal, portanto, esperar essa postura do ouvinte erudito.
Mas rogo que o leitor não se equivoque. O fato de o meio erudito levar a arte tão a sério não é um defeito; antes o contrário: é virtude das mais nobres. O perfeccionismo da música erudita está diretamente associado ao respeito que se tem pelo público. E o mínimo que todo cultor de arte deve reclamar do artista é isto: respeito à inteligência do público. A isso chamamos profissionalismo. Pena que, muita vez, num contexto de apuro artístico tão severo, uma simples tossidela possa estragar o registro sonoro de um concerto primoroso.
Faz parte.
PS: Para o leitor que ficou curioso, a
expulsão súbita e ruidosa de ar pela boca ocorre no minuto 13:48 do vídeo.
quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
sábado, 2 de dezembro de 2017
domingo, 26 de novembro de 2017
MÚSICAS RECOMENDADAS: Sabine Devieilhe interpreta a "Ária dos Sinos" (Air des clochettes / Bell Song) da ópera Lakmé (1883), de Léo Delibes (1839-1891)
Neste final de ano, tive um sobressalto com
a audição de "Mirages", álbum da cantora francesa Sabine Devieilhe. O
disco, que me foi indicado por um amigo europeu cultor da arte erudita, tem
obtido grande êxito radiofônico e de crítica no Velho Continente. E, dada a qualidade do registro sonoro associada ao repertório primoroso de árias francesas, não é sem
razão.
Admito que, ressalvado seu trabalho na
interpretação de peças do classicismo mozartiano, conhecia muito pouco da
discografia de Sabine Devieilhe. Porém, após a ouvida atenta de “Mirages”,
enlevei-me pela beleza invulgar da voz dessa soprano, comparável à de uma
Natalie Dessay (e isso é um elogio imenso!).
Para o leitor do blogue Metamorfose do Mal
que deseja conhecer a artista, segue um vídeo disponibilizado no sítio Youtube
pela gravadora Warner Classics, a apresentar um trecho da gravação em estúdio
de “Ária dos Sinos”, extraída da ópera "Lakmé" (1883), de Léo Delibes (1839-1891), uma
das faixas mais encantadoras no repertório do álbum "Mirages".
Que técnica vocal esplêndida!
Que soprano coloratura maravilhosa!
Mal posso esperar para vê-la em concerto na
Europa!
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
MÚSICAS RECOMENDADAS: Dmitri Hvorostovsky canta "Olhos Negros" (folclore russo)
Um dos meus cantores favoritos é o russo Dmitri
Hvorostovsky. Como sói acontecer com os artistas mundialmente renomeados da música erudita, ele é praticamente desconhecido no Brasil. Apesar disso, é uma das principais vozes do circuito operístico europeu, sempre a entregar belas interpretações em seus papéis no teatro.
A aparência eslávica oriental imponente
contribui, de modo decisivo, para o êxito artístico de Hvorostovsky. Digo-o,
pois, quem tiver a oportunidade de vê-lo de perto numa de suas apresentações, perceberá
que ele tem a aparência dum lutador peso-pesado de MMA. Tal compleição física
avulta inda mais proeminente frente aos cantores gordotes com os quais ele se
põe a contracenar nas óperas, já que não é comum ver um sujeito alto e
musculoso cantar como ele canta.
Por falar em canto, diferentemente da música
popular, meio no qual beleza põe a mesa, na música erudita só a boa aparência
não basta. Um artista sem talento não sobrevive. Nesse ponto, Hvorostovsky não
falha: sua voz é seu instrumento magnânimo no palco. Com uma impostação técnica
precisa, ouvi-lo cantar é assustador: qual barítono, ele tem uma potência vocal
verdadeiramente impressionadora.
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O poeta russo-ucraniano Yevhen Hrebinka (1812-1848), autor da letra de "Olhos Negros". |
A fim de demonstrar o talento de Hvorostovsky,
separei para o leitor do blogue Metamorfose do Mal um registro em vídeo duma
apresentação realizada em 2004 na sala de concerto do respeitadíssimo Conservatório
de Moscou. Nela, pode-se observar o afamado barítono russo a interpretar "Olhos
Negros".
"Olhos Negros" (em russo: "Очи
чёрные", "Ochi chyornye") é uma canção celebérrima do folclore
da Rússia e cuja letra foi escrita pelo poeta russo-ucraniano Yevhen Hrebinka. Trata-se duma composição romântica, que logrou tornar-se bastante popular no começo do século XX, graças a Feodor Chaliapin (1873-1938) - o grande barítono russo, dono duma exitosa carreira internacional nas principais casas de ópera europeias.
"Olhos Negros" é uma canção pulcra,
idônea a sintetizar, como nenhuma outra, a "alma russa". O pungimento
do eu-lírico está a acentuar-se ainda mais na voz magnificentíssima de Hvorostovsky –
indiscutivelmente, um dos maiores cantores em atividade no planeta.
"Очи чёрные" "Ochi chornyye"
Очи чёрные, очи страстные, Ochi chornyye, ochi strastnyye,
Очи жгучие и прекрасные! Ochi zhguchiye i prekrasnyye!
Как люблю я вас, как боюсь я вас! Kak lyublyu ya vas, kak boyus' ya vas!
Знать, увидел вас я в недобрый час! Znat' uvidel vas ya v nedobryi chas!
Ох, недаром вы глубины темней! Okh nedarom vy glubiny temnei!
Вижу траур в вас по душе моей, Vizhu traur v vas po dushe moyei,
Вижу пламя в вас я победное: Vizhu plamya v vas ya pobednoye:
Сожжено на нём сердце бедное. Sozhzheno na nyom serdtse bednoye.
Но не грустен я, не печален я, No ne grusten ya, ne pechalen ya,
Утешительна мне судьба моя: Uteshitel'na mne sud'ba moya:
Всё, что лучшего в жизни Бог дал нам, Vsyo chto luchshevo v zhizni Bog dal nam,
В жертву отдал я огневым глазам! V zhertvu otdal ya ognevym glazam!
domingo, 19 de novembro de 2017
domingo, 12 de novembro de 2017
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
MÚSICAS RECOMENDADAS: "Um réquiem alemão sobre palavras da Santa Escritura" (Op. 45), de Johannes Brahms (1833-1897)
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O compositor alemão Johannes Brahms por volta dos 30 anos,
idade em que começou a escrever o seu réquiem, inspirado pela morte da mãe.
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Neste feriado do Dia de Finados, estou a
ouvir a obra "Ein deutsches Requiem, nach Worten der heiligen
Schrift" (ou simplesmente "Ein deutsches Requiem”, Op. 45), do compositor alemão Johannes Brahms (1833-1897).
Trata-se de um réquiem – a forma musical da
missa fúnebre. Inspirado pela morte de sua mãe, Brahms, tomado de assalto pelo espírito lutuoso, compôs os sete movimentos dessa partitura no
período que vai de 1865 a 1868. Protestante, fê-lo a musicar excertos da tradução da Bíblia feita por Martinho Lutero, razão pela qual seu réquiem é cantado em alemão, e não em latim - como sói acontecer na tradução erudita católica. A sublimar ainda mais a grandeza da sua obra,
além do coro sinfônico, Brahms incluiu um solo de soprano e outro de barítono.
A lobreguidão magnânima desse réquiem posiciona-o qual uma das composições mais relevantes de todo o Romantismo na história universal da música. Sobretudo pela maneira imponente com que o compositor tudesco emprega o canto coral na
composição longa, aprecio muitíssimo essa obra.
Indiscutivelmente, a lugubridade da sua melodia está a falar diretamente ao coração.
No registro abaixo, temos a interpretação de "Um Réquiem Alemão" de Brahms pela Filarmônica de Berlim, sob a regência
do maestro italiano Claudio Abbado. Gravada em 1997 na Musikverein - a mais famosa sala
de concerto de toda a Europa e "lar" da Filarmônica de Viena, a apresentação esteve a homenagear o centenário do passamento de
Johannes Brahms, que morreu em 1897 na capital austríaca.
domingo, 29 de outubro de 2017
Viver com arte
Abro o jornal digital e deparo com uma
reportagem que me chama a atenção: “Cantar trabalha a respiração e promove
equilíbrio emocional”. Sua leitura conduziu-me de imediato a várias recordações
da minha educação artística. Notadamente, estou a referir-me ao modo pelo qual
o canto erudito passou a fazer parte da minha rotina.
Comecei a cantar por força da minha educação
formal na música erudita: no conservatório, aprendi que, para ser um músico
afinado, era importantíssimo dominar a técnica do solfejo.
Depois, adentrei as aulas de canto
propriamente ditas. Sem embargo de não me considerar cantor, fi-lo desejoso de
aprofundar o meu conhecimento musical. Com o tempo, aquela decisão se revelaria
acertada. O timbre de voz grave fez-me ser escalado para cantar no naipe dos
barítonos do coral jovem do conservatório. À época, eu tinha 17 anos.
Atualmente, posto que se tenha passado mais
de um decênio desde o início dos meus estudos de canto, continuo a praticá-lo
com certa regularidade, já que estou a cantar em coral. Nem poderia ser
diferente. Tivesse de viver mergulhado na atmosfera intumescente da burocracia
estatal sem o refrigério da arte e eu mui provavelmente explodiria. Dia a dia,
a sucumbir, a despenhar aos poucos.
Nesse sentido, sinto-me autorizado a
testemunhar que os benefícios do canto, apontados pela reportagem (relaxamento
e equilíbrio emocional, respiração, concentração etc.), são todos verdadeiros.
Com efeito, cantar trouxe muitas coisas boas para minha vida. Não apenas como
artista - eu passei a tocar melhor meu instrumento depois que aprendi a cantar,
já que minha percepção musical agudizou-se -, mas também como pessoa - minha
saúde mental melhorou deveras.
São esses os motivos que me levam a
recomendar a arte – nomeadamente o canto - como terapia para suportarmos as
vicissitudes da vida. Sobretudo num tempo em que o discurso do ódio está
tristemente a experimentar uma escalada extraordinária em todo o mundo, mais do
que nunca, as pessoas estão a necessitar de arte em suas vidas.
Quem vive com arte, vive melhor.
sábado, 28 de outubro de 2017
terça-feira, 24 de outubro de 2017
sábado, 21 de outubro de 2017
domingo, 15 de outubro de 2017
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
sábado, 7 de outubro de 2017
sexta-feira, 6 de outubro de 2017
domingo, 1 de outubro de 2017
sábado, 30 de setembro de 2017
sábado, 23 de setembro de 2017
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
sábado, 16 de setembro de 2017
DISCOS QUE RECOMENDO: "FRANZ SCHUBERT - Piano Sonatas Nos. 20 & 21" (2017), de Krystian Zimerman
REPERTÓRIO:
● Franz Schubert (1797 - 1828)
► Piano Sonata No.20
In A Major, D.959
► Piano Sonata No.21 In B Flat Major, D.960
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
domingo, 10 de setembro de 2017
sábado, 9 de setembro de 2017
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
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