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Sylvia Plath curte o feriado na praia em 1953. |
Hoje na seção "Poemas que leio, poetas que
admiro" do blogue Metamorfose do Mal, quero destacar o aniversário de nascimento (27 de outubro) da poeta
estadunidense Sylvia Plath (1932-1963).
Na Literatura dos Estados Unidos da América,
Sylvia Plath é reconhecidamente um dos grandes nomes da poesia modernista. Com
a publicação póstuma de "Ariel", em 1965, Plath também foi alçada à
condição de ícone feminista. Sua beleza extraordinária, entretanto, escondia uma mulher de
sensibilidade extremada e fortes problemas psicológicos, que, com o tempo, só se agravaram, especialmente em face do casamento conturbado que manteve com o poeta britânico Ted Hughes (1930-1998) - que sempre foi um marido infiel.
A poesia de Plath dialoga com
episódios de uma vida marcada pelo sucesso intelectual (ela sempre se destacou
pela sua inteligência literária, vindo a receber inúmeros prêmios enquanto
estudante universitária) contrastante com uma série de experiências
traumáticas, qual a morte do pai, a competitividade artística com o marido (Hughes gozava
de maior prestígio junto à crítica literária da época) e a sua recusa em aceitar
o papel socialmente imposto às mulheres do seu tempo (dona de casa).
Condenada pela sua tendência imanente ao
fatalismo trágico, e atormentada pela sua depressão crônica - terrivelmente agravada pela
humilhação e dor excruciante que os sucessivos casos de infidelidade do marido
lhe causavam -, Plath tentou mais de uma vez o suicídio. Então, numa manhã
gelada de 1963, no apartamento em que vivia em Londres, poucos meses após se
separar do marido, Plath dirige-se até a cozinha, coloca sua cabeça no interior do forno com o gás ligado, a morrer logo em seguida. A poeta tinha apenas 30 anos de idade quando tirou a própria vida.
Abaixo, separei o poema "Lady
Lazarus" (a versão original, em inglês, bem como a tradução para o português de Marina Della Valle), um dos maios famosos de sua curta obra poética, e que revela em
plenitude o imenso talento literário de uma alma feminina atormentada pela ideia da morte e do suicídio.
Lady Lazarus
I
have done it again.
One year in every ten
I manage it--
A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot
A paperweight,
My face a featureless, fine
Jew linen.
Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify?--
The nose, the eye pits, the full set of
teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.
Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me
And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.
This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.
What a million filaments.
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see
Them unwrap me hand and foot--
The big strip tease.
Gentlemen, ladies
These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,
Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.
The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut
As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.
Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.
I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.
It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical
Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same
brute
Amused shout:
‘A miracle!'
That knocks me out.
There is a charge
For the eyeing of my scars, there is a charge
For the hearing of my heart--
It really goes.
And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood
Or a piece of my hair or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.
I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby
That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great
concern.
Ash, ash--
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there--
A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.
Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.
Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.
LADY LÁZARO
Eu fiz outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito –
Como milagre ambulante, minha pele
Brilhante como um abajur nazi,
Meu pé direito
Um peso de papel,
Meu rosto um fino, prosaico
Linho judaico.
Retire o pano
Oh meu inimigo.
Eu aterrorizo? –
As órbitas, o nariz, a dentadura completa?
O hálito azedo
Sumirá em um dia.
Logo, logo a carne
Que a cova comeu vai voltar
Em mim para o lar.
E eu, mulher sorridente.
Tenho só trinta anos.
E como o gato tenho nove mortes.
Esta é Número Três
Que lixo
Para aniquilar a cada década.
Que milhão de filamentos.
A multidão mascando amendoim
Se junta pra assistir
Desembrulham minhas mãos, pés –
O grande strip tease.
Cavalheiros, damas
Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser pele e osso,
Ainda assim sou a mesma mulher, idêntica.
Na primeira vez eu tinha dez anos.
Foi um acidente.
Na segunda vez eu quis
Acabar com tudo e nunca mais voltar.
Rolei fechada
Como concha do mar.
Tiveram de chamar e chamar.
E tirar os vermes de mim como pérolas
pegajosas
Morrer
É uma arte, como tudo mais.
Nisso sou excepcional.
Faço parecer infernal.
Faço parecer real. Eu
Acho que pra mim é natural.
Fazer isso numa cela é muito fácil.
Fazer isso escondida é muito fácil.
É a volta teatral
Já em pleno dia
Ao mesmo posto, mesmo rosto, mesmo grito
Entretido, brutal:
“Um milagre!”
Que me põe a nocaute.
Há um preço
Pra ver minhas cicatrizes, há um preço
Pra ouvir meu coração –
Ele bate mesmo.
E há um preço alto, um alto preço
Por palavra ou apalpada
Ou gota de sangue
Fio de cabelo, trapo de roupa.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.
Sou tua obra,
Sou teu tesouro,
Bebê de puro ouro
Que se derrete num berro.
Reviro em combustão.
Não pense que subestimo sua preocupação.
Cinza, cinza –
Você cutuca e atiça.
Carne, osso, não há nada lá –
Uma aliança,
Barra de sabão,
Ouro de obturação.
Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado
Cuidado.
Das cinzas revivo
Com meus cabelos ruivos
E devoro homens como ar.
(tradução de Marina Della Valle, in:
"Plath: quatro "poemas-porrada")